A interminável noite na literatura brasileira


O escândalo intelectual supremo, que é um país com quase 200 milhões de habitantes, com uma universidade em cada esquina, mas sem uma literatura de qualidade.

Se há algo que você gradualmente sente menos falta à medida que perde é a inteligência. Estou usando a palavra não no sentido comum de habilidades mensuráveis, mas sim na percepção da realidade. Quanto menos você percebe, menos percebe que não está percebendo. Normalmente, essa perda é acompanhada por um sentimento de satisfação, segurança e até mesmo infalibilidade. É claro: quanto menos inteligente você se torna, menos consegue lidar com contradições e dificuldades, e tudo parece explicável em poucas palavras.

Se essas palavras são respaldadas pela “intelligentzia” falante (mídia, artistas, professores universitários, políticos), meu caro, nada no mundo pode se opor à força avassaladora dos clichês que, em um estalar de dedos, respondem a todas as perguntas, dissipam todas as dúvidas e estabelecem, com total confiança, o império do consenso final. Refiro-me especificamente a expressões como

“desigualdade social”, “diversidade”, “fundamentalismo”, “direitos”, “extremismo”, “intolerância”, “tortura”, “medieval”, “racismo”, “ditadura”, “crença religiosa” e similares.

Se desejar, o leitor pode acrescentar outras palavras consultando brevemente as seções de opinião da chamada “grande imprensa“. No máximo, essas palavras se limitam a vinte ou trinta termos. Existe algo, entre o céu e a terra, que esses termos não expressem perfeitamente, não expliquem em detalhes mínimos, não se transformem em conclusões inquestionáveis que somente um louco ousaria contestar? A mente brasileira atualmente gira em torno dessas palavras, incapaz de conceber algo além do que esse limitado vocabulário pode abranger.

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O fato de que essas certezas são defendidas por pessoas que ao mesmo tempo se declaram relativistas e até negam a existência de verdades objetivas é uma prova adicional do que eu estava dizendo: quanto menos você entende, menos percebe que não entende. Ao contrário da economia, onde prevalece o princípio da escassez, no campo da inteligência reina o princípio da abundância: quanto menos você tem, mais dá a impressão de que tem de sobra. A estupidez completa, se tal ideal sublime pudesse ser alcançado, corresponderia à satisfação plena e universal.

O indício mais eloquente é o fato de que, em um país onde não se publica um romance, novela ou peça de teatro que valha a pena ler há trinta anos, ninguém sente falta de algo que já foi tão abundante e rico por aqui, chamado… como era mesmo? Ah, sim, “literatura”.

Digo que essa entidade (literatura) desapareceu porque, acreditem, não paro de procurá-la. Eu examino os catálogos das editoras, pesquiso na internet por sites literários, leio dezenas de obras de ficção e poesias que os autores têm a crueldade de me enviar, e no final, o que encontro? Nada. Tudo é absurdamente bobo, vazio, pretensioso e escrito em uma linguagem que nem mesmo os orangotangos usariam. No máximo, há algum talento anêmico apontado aqui e ali, mas para prosperar, ele ainda precisaria de muita leitura, experiência de vida e algumas boas críticas construtivas.

Mas, assim como não vejo nenhuma obra de literatura imaginativa que mereça atenção, também não encontro nas resenhas de jornais e nas revistas “culturais” que surgem incessantemente alguém que perceba a calamidade, o escândalo intelectual supremo que é um país com quase 200 milhões de habitantes, com uma universidade em cada esquina, sem uma literatura de qualidade.

Universidades brasileiras:

Ninguém fica assustado, ninguém reclama, ninguém diz um “ai”. Todos parecem sentir que tudo está em perfeita ordem, e alguns até são suficientemente insanos para acreditar que eles próprios são o grande sinal de saúde cultural do país. Afinal, pasmem: houve até um ministro da Cultura que afirmou que a produção cultural brasileira estava passando por um dos seus momentos mais brilhantes e criativos. Provavelmente ele se baseou no número de shows de funk. Vocês estão vendo como, no reino da inteligência, a escassez é vista como abundância?

Mas o pior não é a escassez quantitativa. Desde a Independência até os anos 1970, a história social e psicológica do Brasil se revelava claramente na literatura nacional. Lendo os livros de Machado de Assis, Raul Pompeia, Lima Barreto, Antônio de Alcântara Machado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado, Marques Rebelo, José Geraldo Vieira, Ciro dos Anjos, Octávio de Faria, Anníbal M. Machado e muitos outros, tínhamos uma imagem vívida da experiência de ser brasileiro, refletida em todas as suas manifestações regionais e históricas, com toda a complexidade das relações entre indivíduo e sociedade.

A partir da década de 1980, a literatura brasileira desapareceu.

A complexa e rica imagem da vida nacional retratada pelos melhores escritores foi substituída por um sistema de estereótipos simplórios e repetitivos até o desespero, que são incansavelmente reproduzidos na televisão, no jornalismo, nos livros didáticos e nos discursos políticos.

O desastre terrível:

No mesmo período, o Brasil passou por mudanças histórico-culturais avassaladoras, que, sem o testemunho da literatura, não podem se integrar ao imaginário coletivo e muito menos se tornar objeto de reflexão. Foram quarenta anos de transformações vividas em um estado de sono hipnótico, talvez irrecuperáveis para sempre. Esse período não foi retratado na literatura e a memória da identidade nacional atual está perdida para sempre.

A forma como qualquer absurdo politicamente correto é apresentado hoje como o auge da inteligência humana, com uma certeza definitiva, jamais teria sido possível sem esse longo período de entorpecimento e trevas, essa longa noite da inteligência, que levou à perda da simples capacidade de distinguir entre o normal e o aberrante, o sensato e o absurdo, a obviedade gritante e a falta de lógica impenetrável.

Leia com mais qualidade para entender melhor.

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